WordPress em Português, sem Acordo Ortográfico

Em jeito de introdução

Por favor leia o artigo até ao fim, antes de se lançar em comentários que não sejam relevantes. Aquilo que deveria ter sido uma discussão civilizada, degenerou, infelizmente, em argumentações linguísticas, filosóficas e até políticas, pejadas de ataques pessoais e insultos perfeitamente desnecessários. Apesar de assumir por inteiro a culpa de não ter explicado com toda a clareza o pendor puramente técnico desta questão, continuo convencido que somos (todos) melhores que isso.

Os resultados da votação

Colocámos duas perguntas a votação:

  • A tradução deve observar o novo Acordo Ortográfico?
  • O tom da tradução deve ser como até agora, formal, ou informal (ou seja, tratando o utilizador por “tu”)?

Depois de devidamente filtrados os artistas que lançaram scripts automáticos de votação (uma pista para os script kiddies: mais de 300 votações em menos de 2 minutos, a partir do mesmo IP é suspeito. Para a próxima tentem outra coisa), os resultados são estes:

  • Votos: 305
  • Acordo Ortográfico, sim ou não? NÃO: 206, SIM: 99
  • O tom é formal (“você”) ou informal (“tu”)? FORMAL: 155, INFORMAL: 150

A primeira conclusão

A tradução do WordPress para Português de Portugal continuará, como até agora, a ignorar o Acordo Ortográfico.

Para que fique absolutamente claro:

  • Esta não é uma decisão “nossa” (seja lá o que for o que o conceito “nós” representa), é de todos. Pelo menos de todos aqueles que acharam importante emitir uma opinião sobre o assunto, e a quem, independentemente da opção que escolheram, muito agradecemos.
  • Não é uma tomada de posição política e muito menos linguística. O facto é que temos que escolher uma versão, já que o WordPress (ainda) não reconhece o conceito de “variantes” para o mesmo código de idioma. Isto tem um impacto imediato nas actualizações automáticas de instalações existentes, por exemplo.
  • Tão pouco é uma condenação de quem votou a favor do acordo ou uma recusa final em suportá-lo (já explico, mais à frente).

A segunda (curiosa) conclusão

A margem entre aqueles que preferem o tratamento como até agora e os que preferem o tratamento por “tu” é demasiado pequena para que possa ser tomada uma posição oficial sobre o assunto.

De início pensei que isto pudesse ser um problema grave (ver a discussão da versão única, acima), o que me levou a debater o assunto com alguns core developers, mais familiarizados com a questão da internacionalização. As notícias são boas, o que nos permite anunciar isto:

A tradução do WordPress para Português de Portugal será, a partir de agora, suportada em duas versões distintas, simultaneamente: a informal e a formal.

Como? Através de uma funcionalidade denominada language packs, que permite ao administrador de um site mudar o idioma da sua instalação para qualquer outro idioma ou variante, existente no Translate WordPress [ref]Neste momento, o WordPress determina o idioma que deve usar a partir do valor da variável WP_LANG no ficheiro wp-config.php de um site. No nosso caso esse valor é pt_PT, o que implica que é aqui que vai buscar as traduções para criar um pacote de actualização (repare na terminação da URL, pt/default), o que implica que não pode ir buscar variantes, tais como a versão informal (com a URL /pt/informal)[/ref].

Essa funcionalidade, apesar de só estar prevista para a versão 3.7, vai começar a ser implementada a partir do próximo mês de Junho, através de um plugin [ref]Numa filosofia semelhante à do MP6[/ref], que mais tarde fará parte do núcleo do WordPress, e de cuja equipa de desenvolvimento faço parte.

Mas, mas, mas… Então se há duas, porque é que não há quatro?

Simplesmente porque não temos braços que cheguem; a versão “normal” já de si tem pouca colaboração e a versão informal, muito graças ao monumental esforço do Nuno Barreiro, já existe desde a versão 3.4, portanto está entregue a mãos muito competentes.

Portanto, quem achar que uma versão do WordPress em Português que respeite o Acordo Ortográfico é fundamental (até mesmo com as variantes formal e informal), que faça o favor de se chegar à frente. Tenho (temos) todo o gosto em ajudar com o que for preciso para que se torne uma realidade[ref]Isto quer também dizer que, em teoria, pode ser suportado um numero infinito de variantes, como por exemplo Madeira, Açores, Amarante, Olhão ou até Av. dos Aliados (nrs. ímpares), …, o que for. [/ref]. O que os tradutores actuais não podem fazer é gerir 4 versões diferentes e trabalhar em todas, como se deve compreender.

Em jeito de conclusão

Porque nunca é demais relembrar ou talvez revelar, a quem por vezes perde a noção do contexto em que estamos a discutir:

  • A tradução do WordPress para Português de Portugal correcto, validado e coerente é um esforço muito grande: são dezenas de milhar de textos a traduzir, em que “traduzir” é a mais simples das tarefas (apesar de extensa). É ainda preciso validar, verificar a coerência e garantir que nenhum texto interrompe o normal funcionamento de um site.
  • No dia 30 de Julho celebramos o 7º aniversário de uma equipa pequena, coesa e aberta e que beneficia gratuitamente milhares de sites que usam essa tradução[ref]Muitos desses sites são comerciais, em que esse benefício não só é directo como também quantificável[/ref], sem nunca cobrar nada, nem sequer moralmente.
  • Além das tarefas “filológicas”, ainda se dedica à evangelização através de WordCamps, workshops, suporte no fórum e divulgação em geral, uma vez mais de forma gratuita.
  • É uma equipa que se orgulha em respeitar as decisões da maioria, sempre.
  • É sobretudo uma equipa que quando lê comentários de utilizadores do WordPress em Português começados por “vocês deviam..”, se pergunta em que é falhou, para não se lhe estarem a dirigir com “nós devíamos…”

Agora já pode/podes comentar.

Obrigado.

20 opiniões sobre “WordPress em Português, sem Acordo Ortográfico

  1. Ora aqui está uma verdadeira deliberação democrática sobre o Acorto Ortográfico. Se o Estado Português tem feito a mesma votação, pedido a opinião dos seus cidadãos, teria o mesmo resultado. Um esmagador Não.
    Mas como isto já há muito não é uma democracia, mas uma república de bananas, fez-se um intestinal regulamento da AR, para revogar um Decreto do Governo (cheira mesmo a intestinal ilegalidade, não é?)

    1. Os inquéritos – alguns com mais de 50 000 pessoas – têm produzido resultados em que o “não” ao açordo ronda os 85%. A rejeição, em diversas sondagens tem-se situado entre os 65% e os 87%.
      Está de parabéns a Word Press de Portugal – que merece todo o apoio.

  2. Fico triste… Mas não irei lutar contra a corrente!

    Quero é saber COMO é que posso ajudar? Li que a equipa é pequena e sinto que tenho capacidades (embora pouco tempo disponível) mas sobretudo muita vontade para ajudar.

    Onde posso entrar para a equipa?

    1. Olá Vítor.
      Antes de mais, não fiques triste; afinal não é como se tivesse sido definitivamente fechada a porta à variante pós-Acordo, basta haver alguém (tu?) que queira embarcar nisso. Na realidade não deve ser tão difícil quanto começá-la do zero, uma vez que existem ferramentas para fazer essa conversão.

      Quanto a “entrar para a equipa”, a bem dizer não é preciso nada, basta participar na discussão. Se queres sugerir uma ideia ou projecto ou até mesmo uma maneira diferente de abordar projectos existentes, é só dizer. Alguns membros da equipa mais antigos têm, de facto, as chaves para algumas ferramentas, mas a sua utilização é uma decisão do grupo.

      Como em qualquer comunidade open source a autoridade e presença decorrem do karma acumulado, portanto basta aparecer e participar.

    2. Vítor e Zé, tanto quanto percebo, esta nova funcionalidade prevista para a 3.7 vai permitir, então, considerar variantes na língua, certo? Essas variantes serão as que estiverem ativas no translate.wordpress.org?
      Se assim for, a gestão de versões AO90 não será, à partida, tão complexa, na medida em que há ferramentas de conversão que ajudam a converter ficheiros inteiros de linguagem.
      Não teria de ser, por assim dizer, uma gestão string a string, como a varianção formal vs. informal, mas mais uma gestão de pacotes completos antes de cada nova release do WordPress, tendo por base as versões pré-AO90 que já são geridas pela Comunidade.
      Imagino um fluxo exportação > conversão > validação > importação ou algo parecido. Claro que tudo isto precisa de ser testado e, sobretudo, precisa de quem possa dedicar-se. Voluntários?

    1. Ainda bem que abandonámos a grafia em que escreveram Eça ou Fernando Pessoa. Os sábios que o fizeram em 1911 diziam que o analfabetismo era uma causa da ortografia etimológica.
      Hoje, os resultados estão à vista: apenas 20% de analfabetos em Portugal e 75% de analfabetos no Brasil. Pode parecer um escândalo, mas é tudo pela lusofonia.
      Em compensação os desgraçados dos ingleses, canadianos, norte-americanos, franceses e alemães continuam a usar o ph de pharmacy ou philosophy, philosophie ou philosophia. Uns atrasados.
      Bem sei que têm zero por cento de analfabetos e algumas dezenas de prémios Nobel mas é tudo em Physics ou Chemestry, ou medical science, coisas que não interessam a ninguém.
      Consta que têm muita inveja da modernidade de Portugal e do Brasil. Oh, se têm!

      1. Cabe reparar um lapso é evidente: o analfabetismo era considerado um efeito, não a causa, da ortografia etimológica. Estavam errados, já que a apreensão da palavra é feita de modo global.
        Quanto à ortografia, quanto mais culto o país, menos esta se modifica. A evolução ortográfica consiste na sua estabilização, daí que não ande ninguém no mundo anglo-saxónico a falar da evolução da ortografia do inglês – que é a mesma há séculos.

  3. Na minha opinião, devia-se aguardar pelo menos até ao final do período “experimental” para considerar tomar uma decisão sobre esta questão. Dada a probabilidade do AO90 ser revogado, o trabalho de reverter todos as traduções para a normalidade ortográfica precedente seria imenso e uma lamentável perda de tempo – para mais tendo em conta que é um trabalho voluntário. Neste momento, só há obrigatoriedade legal decorrente de uma resolução que vincula o Governo e organismos sob a sua dependência, e nunca deixaram de surgir propostas de alteração e “melhoria” do AO por parte dos que o defendem. Ou seja, dificilmente se podem considerar estas normas “definitivas”. (Por outro lado, é, no mínimo, discutível que faça sentido falar-se numa obrigatoriedade legal para alterar normas ortográficas estabilizadas, contra a vontade a maioria dos falantes/escreventes.) Estes cerca de 70% de votos contra parece um resultado mais ou menos constantes em todos os inquéritos que têm sido efectuados desde há vários anos, o que talvez indique que há poucas pessoas a mudarem de campo.

    1. Mas qual período experimental? O denominado acordo não está em vigor na ordem jurídica internacional.

  4. O que me parece é que com toda a publicidade que foi feita em sítios contra o acordo a votação acaba por ser muito pouco representativa. Naturalmente ganhou o “contra”, quem está a favor não precisa de se mobilizar já que o acordo é usado em praticamente todo o lado neste momento, incluindo por quem não está obrigado a isso. Agora, será que todos ou sequer a maioria dos membros desses grupos do contra que foram mobilizados e que votaram militantemente, são utilizadores do WP?

    Concordo no essencial, no entanto. A WP pode esperar até perto da data-limite de aplicação, em 2015, para dar o passo definitivamente, sendo até bom que haja duas disponíveis (mesmo a partir dessa data). Como é coisa fácil de fazer com conversores automáticos, basta começar a preparar uma versão alternativa um ano ou até uns meses antes e na altura mudar a versão usada por defeito.

    1. …a votação acaba por ser muito pouco representativa.

      Desculpe, mas não me lembro de ver a sua sugestão para a tornar mais representativa na altura em que o assunto foi discutido.

  5. Um exemplo a seguir, acima de tudo tendo em conta o estado caótico em que se encontra actualmente a ortografia da língua portuguesa (PT-EU). Basta uma rápida leitura da imprensa, sobretudo da «acordista», para ver que cada um escreve como quer e lhe apetece: é a anarquia total e perante a qual os governantes se limitam a assobiar para o lado.

  6. O que eu disse sobre a representatividade dos inquéritos é que me parece ter havido coerência dos valores ao longo dos anos. As pessoas que querem manter o acordo também se mobilizam. Se se mobilizam menos, provavelmente é por serem menos.

    Mas podem dar-se outros exemplos, em contextos ou em alturas em que talvez houvesse menos mobilização. Por exemplo, o jornal algarvio Barlavento fez um inquérito em 2010, perguntando aos leitores se queriam o AO nas suas páginas. 26% disseram que sim (http://bit.ly/10JSjw2). Apenas um mês depois, sem qualquer referência ao inquérito, o jornal adoptou o acordo (http://bit.ly/10JSBmx). Falam em “resistências”, mas concluem que “a decisão de fazer a experiência com a nova ortografia, contudo, venceu”. Note-se o termo “experiência”. O mesmo jornal, viria a dizer, dias depois, utilizar apenas as “principais regras” (!), por considerar outras “absurdas” (http://bit.ly/10JT6gm).

    Penso que parte do problema é que muitas pessoas não entendem que o AO está a gerar, na prática, variações, “sub-acordos”, uma situação de dispersão ortográfica nunca antes registada, completamente oposta ao conceito de “unificação” que se andou a vender, algo que só terminará com a revogação. Isto está para lá das facultatividades “oficiais”, que já são graves, pois um mesmo jornal escreve espetadores e setor numa peça, espectadores e sector noutra. Até já vi meios que “traduziram” sector, de um comunicado, para setor, quando os próprios noutra peça escrevem sector.

    Em 2009, um inquérito no CM apresentou 30% de pessoas a favor: http://bit.ly/10JURu5. Curiosamente, na mesma altura o CM anunciou ir implementar o AO, o que sucedeu muito devagar (pois só este ano deram verdadeiramente esse passo, com uma variante própria do AO) com as crónicas de Francisco José Viegas (estamos em 2009, recorde-se), o mesmo que viria a criticar o Governo por, em 2010, se “precipitar” ao mandar aplicar o AO em 2012.

    Estes são dois casos em que se fez um inquérito que se ignorou. Talvez o mesmo tenha sido feito na esperança de poderem servir para justificar decisões já tomadas? Curiosamente, os dois casos também correspodem a dois meios que afirmaram expressamente que iriam aplicar o AO à maneira deles.

  7. Pelos vistos, continuo a não conseguir explicar-me com clareza suficiente. Uma última tentativa, que serve também de explicação para o encerramento dos comentários neste artigo:

    Não estamos a solicitar opiniões sobre o Acordo Ortográfico. Pode ser que sejam importantes, mas no que toca ao trabalho que temos pela frente, são irrelevantes. Muito menos são relevantes opiniões de quem nem sequer usa WordPress.

    Os comentários a este artigo ficam assim encerrados.

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